Uma casa pode ser um lugar de hábitos, como um sistema de coisas que pontuam o viver. Pode surgir-nos no quotidiano como a referência do conforto, do bem estar, do recolhimento, como reserva das nossas memórias e também das memórias de outros. Pode não ser nada disto ou ser outra coisa qualquer. Esta casa que (re)vemos aqui exposta em fragmentos foi um lugar de chegada. Um sítio. Dali para outro sítio ou em torno deste, desenvolveu-se uma acção que não se prende com a casa, com o estar naquele lugar, o que representa modificá-lo, transformá-lo de modo a criar um cómodo.

O que aqui aconteceu foi uma coisa diferente, esta casa em Sarajevo contém em si mesma a expectativa de quem a habita as memórias da sua vivência e ao memo tempo da sua sobrevivência. Sarajevo é um lugar do mundo e ocupa essa posição de um modo diferente de outros lugares. Mas ao mesmo tempo socorre-nos a memória do esquecimento de outros tantos. Dali partiram vozes de discórdia e de sofrimento, de guerra e de morte. Sem dúvida nenhuma, esta casa deveria ser um reduto dessa tormentosa experiência, do isolamento, da incomunicabilidade, da distinção provocada pelo desequilíbrio dos meios mais elementares à sobrevivência. Nesta casa poderia encontrar-se o restolho do campo ceifado, e esses restos mesmo assim emprestariam algum conforto ao viajante. Esta poderia ser com certeza a expectativa de quem vai, para voltar.

É desconcertante olhar para estes enquadramentos e verificar que eles se poderiam acrescentar ou colar numa outra casa que a Susana conhece, e que lhe é mais familiar. E que diremos nós que não conhecemos esta casa, ao olhar para estes planos que nos querem mostrar este ou aquele objecto, como figuras principais de um todo que em nada nos mostra a passagem desses fantasmas de guerra e de morte.

Será ambígua esta não-relação com o que sabemos desse lugar (?) e que esta casa não esconde mas também não contém? Este lugar, que nos aparece como um lugar qualquer é na verdade um sítio único e particular, porque o teatro que o envolve é uma coisa exterior, ocupa uma posição determinada, para lá. Que motivação pode levar ao registo do conhecido e banal que quebrou as expectativas criadas ao longo do caminho para lá chegar? A diferença que o olhar reconhece no deslocamento. A distinção entre a massa uniforme, que como uma paisagem nos parece ao longe composta por similares e breves matizes, mas que mais perto e tão próximo, como estar por dentro, anuncia o particular, o único. O enquadramento não escolhe mas esconde, retira e adiciona, concentra. Este olhar que escolhe pelo interior da câmara fotográfica é do mesmo modo particular, porque acompanha e fixa, sem limitar, o movimento da deslocação.


João Silvério