Simplesmente intitulada 'X', esta exposição toma o escritor de ficção, jornalista e realizador português, Reinaldo Ferreira, cujo nome figura na rua da galeria, como o foco de atenção, ponto de partida e elemento despoletador para o seu projecto. Nascido em Lisboa em 1897, Reinaldo Ferreira foi o criador e mentor de 'Repórter X', um jornalista conhecido dos anos trinta que fabricava reportagens e crónicas palpitantes sobre homicídios, assassinos, vilões, intrigas e outros fait-divers para diversos jornais, tais como o ABC e o Primeiro de Janeiro. Redigidos e impressos como notícias verídicas, estas reportagens eram na sua grande maioria fruto da imaginação de Ferreira e a sua equipa de colaboradores, a quem ensinou a arte de "reporterxizar". Fascinados, os leitores acompanhavam os relatos ou eventos encenados por este infame repórter como se fossem verdade, pois este até acertara nalgumas das suas revelações. Para cumprir a demanda do público por este género de notícia, Ferreira não só produziu 'X', como uma colecção de novelas que tem como pano de fundo uma cidade de Lisboa de pendor cosmopolita, repleta de intervenientes estrangeiros ligados à espionagem, organizações secretas, exílios e rusgas, enredos onde Ferreira poderia avançar o detective repórter - o desvendador de enigmas de grande repercussão na opinião pública - que tanto sonhou e aspirou a tornar-se.
Actualmente, Reinaldo Ferreira é reconhecido como um pioneiro do romance policial clássico, tendo antecedido outras figuras literárias como Patrícia Highsmith e Alfred Hitchcock.

O projecto que Susana Mendes Silva apresentou foi resultado de um processo de observação e recolha de dados que se baseia no modelo etnográfico de observação participativa, um modelo que reflecte necessariamente uma experiência subjectiva, tanto situada como motivada, e que diz tanto sobre o observador como o local e tema da pesquisa. Para este efeito, a instalação revela não tanto um interesse em documentar ou "encontrar a verdade", aproximando-se mais do modelo de uma projecção que se mantém fiel ao personagem assumido pelo seu sujeito. Como tal, a artista Susana Mendes Silva fornece "provas" que tomam a forma de fotografias a cor ou diapositivos. Estes "documentos" obscurecem em vez de revelar o seu objecto; providenciam pistas que não afirmam ou apontam para o seu desmantelamento, mas aludem a processos de desvio e multiplicidade que levam o observador a percorrer vários caminhos interpretativos. Estas imagens, recolhidas de filmes realizados por Reinaldo Ferreira, ou reproduções de retratos encenados onde Reinaldo Ferreira aparece frente a frente com o seu pseudónimo Repórter X, dirigem a nossa atenção para temos significativos, e testemunham a contemporaneidade e vanguarda da obra de Reinaldo Ferreira: a figura do travesti (que emerge como Rita ou Rito no filme do mesmo título, de 1927), e o duplo - o pseudónimo ou doppelgänger - que ganha uma invejável vida própria, usurpando-a do o seu criador. Susana Mendes Silva destaca estas figuras que encarnam a margem - também o próprio Reinaldo Ferreira - e que desafiam noções simplistas de binariedade como homem/mulher, verdade/ficção, original/cópia, interpelando, deste modo, a crise destas categorias. Susana Mendes Silva sublinha o jogo livre de significantes adoptados por Reinaldo Ferreira e a estratégia duchampiana de disfarce, lembrando-nos de que a noção de identidade é tudo menos estável. A instalação sugere uma sala de espelhos ou um espaço de possibilidade onde o conceito do 'uno' (relativo à noção de identidade, auto-suficiência e auto-conhecimento) é posto em questão. Aqui, a identidade superficial masculina e, por consequência, a função do autor é libertada, dando lugar ao que poderá ser cunhado como uma terceira identidade.