Como silenciar uma poeta
no âmbito do programa As coisas fundadas no silêncio
Curadoria de Marta Rema
10 de Junho a 30 de Agosto 2020


O livro “Decadência” da poeta Judith Teixeira foi apreendido e queimado em 1923, no Convento de São Francisco, nas antigas instalações do Governo Civil de Lisboa com entrada pela Rua Capelo, hoje parte integrante do Museu Nacional de Arte Contemporânea. Como refere Vítor Silva Tavares, após 1927 Judith desaparece temporariamente de Portugal e dá-se um "emudecimento definitivo de uma voz tão incisivamente lançada à agitação". Mas a potência destrutiva que silencia os artistas é muitas vezes revertida pela prática de se manterem como presença fantasmática ao longo das décadas.

A história literária está manchada de silêncios, desde os que se escondem aos que deixam de publicar, passando pelos que nunca chegam a publicar. Por outras palavras, há dois tipos de silêncio: um para o que é dito e o que permanece por dizer, e outro para quem tem direito a falar e quem é forçado a ficar calado. O silêncio é o lugar da morte, do nada. Mas não há silêncio sem fala. Não há silêncio sem o acto de silenciar.

Integrada no projecto As coisas fundadas no silêncio, Como silenciar uma poeta, exposição inédita de Susana Mendes Silva, parte da apreensão do livro “Decadência” da poeta Judith Teixeira que foi queimado em 1923, no Convento de São Francisco, nas antigas instalações do Governo Civil de Lisboa com entrada pela Rua Capelo, hoje parte integrante do Museu Nacional de Arte Contemporânea.

O livro tinha sido alvo de uma polémica sobre a (i)moralidade da arte, que envolveu também António Botto e Raul Leal. Ainda assim, Judith Teixeira foi directora de uma revista, escreveu um manifesto artístico modernista e publicou mais dois livros de poesia. A tensão erótica e a insubmissão femininas inscritas na sua obra, denotam a dimensão da transgressão que protagonizou. Enterrada viva, foi imerecidamente eliminada da memória colectiva e da história literária até recentemente, sem dúvida muito devido ao conteúdo lésbico em vários dos seus poemas, o que faz também da poeta um expoente da literatura lésbica e queer portuguesa.

Marta Rema


Performances
O projecto expositivo, baseado na Sala Polivalente do MNAC, incluiu duas performances que se debruçam sobre a tradução do poema "Flores de Cactus" de Judith Teixeira para as outras duas línguas oficiais Portuguesas: a Língua Gestual Portuguesa e o Mirandês — respectivamente “Tradução #1” e “Tradução #2” — e a leitura performativa do manifesto “DE MIM: Conferência em que se explicam as minhas razões sobre a Vida, sobre a Estética, sobre a Moral” publicado em 1926.

Em Tradução #1 — com a participação de Patrícia Carmo, professora surda de LGP e investigadora — o poema foi previamente traduzido e trabalhado numa residência de três dias com a artista nos Estúdios Victor Córdon. Na performance, "Flores de Cactus" foi aprendido enquanto língua coreografada por todos os participantes que trabalharam em pares e em grupo. A apresentação foi na sala de ensaios dos EVC no dia 3 de Julho ao final da tarde.

Em Tradução #2, o poema — com a participação de Alda Calvo, falante de Mirandês e jurista — foi previamente traduzido e durante a sessão foi discutido e aprendido enquanto sonoridade por todos os participantes. Esta performance foi apresentada na Rua das Gaivotas 6 na tarde de dia 4 de Julho.

As Traduções foram, assim, uma voz colectiva para duas línguas, hoje oficiais, mas ambas perseguidas durante o Estado Novo.

A leitura performativa De mim debruça-se sobre o único manifesto modernista escrito por uma artista portuguesa no qual a escritora se defende dos ataques e críticas a que vinha sendo sujeita desde 1923. Não se sabe se este discurso, no qual Judith defende "liberdade máxima" para os artistas, terá sido alguma vez lido em público e por isso convocámos a presença fantasmática da poeta. A curadora Marta Rema leu a conferência e a Susana fez de Valentine Saint Point e leu os poemas “Flores de Cactus” e “Ilusão” na sala de espectáculos da Rua das Gaivotas 6.

Apoio à criação
OPART - Estúdios Victor Córdon
Rua das Gaivotas 6

Agradeço a
Andreia Páscoa
André Tasso
David Sarmento
Emília Tavares
Filipe Otero Pureza
Francisco Queirós
Francisco Soares
Hugo Sousa
João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira
João Silvério
Maria João Gamito
Maria João Garcia
Nuno Soares
Pedro Barreiro
Pedro Filipe Marques
Luís Simões
Sérgio Gato
Sofia Campos
Tiago Peixoto

Acesso Cultura
Biblioteca Municipal dos Coruchéus
Divisão de Acção Cultural da CML
Museu Nacional de Arte Contemporânea

Produção: Efabula
Montagem: Setup