Phantasia

As oito imagens apresentadas na série Phantasia revelam várias camadas da pesquisa de Susana Mendes Silva. Na primeira imagem, o encontro entre duas artistas, de dois tempos e em dois registos, lança o desafio do trabalho: a realidade da mão que segura um bloco de apontamentos (símbolo de pesquisa, interioridade, mecanismos de pensamento) aberto numa página onde está colada uma imagem de uma pintura, o auto-retrato de Aurélia de Sousa (1866-1922). O suporte fotográfico usado na obra é justificado por Susana Mendes Silva através do reenvio ao processo de trabalho de Aurélia de Sousa, que pintava a partir de registos fotográficos. Mas é o enquadramento (sensivelmente o mesmo da referida pintura e do retrato) das fotografias onde o corpo da artista surge que sugere a ideia de apropriação, não só do processo de trabalho, mas também da temática de auto-representação.

A série de fotografias Phantasia remete-nos para o trabalho Polaroid, 2004: um vídeo que explorava o tempo do aparecimento da imagem - um retrato da artista - numa Polaroid. A imagem era repetida num incansável loop, até que a fronteira entre o aparecimento e o desaparecimento se fundiam num resíduo da realidade. Na série Phantasia, a artista, ao retomar os possíveis movimentos que antecederam o processo artístico de Aurélia de Sousa - o vestir-se com um casaco vermelho -, não só intensifica um processo passado, tornando-o performance, como ainda se imerge numa outra personagem, outro processo e outro tempo, ausentando-se da sua própria realidade. Um dos sentidos etimológicos do título é precisamente o de fantasma, figura ténue, volátil e fugaz, estabelecendo um paralelismo com a delicada auto-representação que tem como trágico fim, sempre, a sua própria ausência. Na última fotografia, a presença das duas figuras que representam a mesma cria uma terceira presença, vinda de um tempo indefinido, com a expressividade dúbia de alguém que nos comunica algo inteligível, apenas, num fugidio momento involuntário.


Maria do Mar Fazenda